terça-feira, 21 de setembro de 2010

o burro

para um burro
biologicamente burro
ter orelhas de burro é a normalidade da classe

se alguém compreende aos bocadinhos
reclamam sempre
- parece que é burro

se alguém tem dúvidas
grandes ou pequenas
explicam prontamente
- é burro

para um burro
biologicamente burro
não há lógica naquilo:

não há orelhas longas
nem zurros
nem pelinho cinzento
nas dúvidas e nas incompreensões

e na injustiça do insulto
calou e amuou
porque é certo certinho
que ao céu não chegam nunca
as vozes do burro

domingo, 12 de setembro de 2010

bichezas

o elefante bébé é grande
a formiga mamã é pequena

os animais não são a idade que têm
nem sempre uma voz medonha ou muda
nem só pele suave ou rude

é por isso que eu sou grande
mesmo enquanto sou pequena

é por isso que eu sou grande e pequena
e em mim cabem todas as coisas que quero ser

domingo, 25 de abril de 2010

andorinha

houve outra vez balões
e o bolo tinha o teu nome

mas a primavera chega sempre na claridade do dia
e uma andorinha tem prioridades
que nem as velas apagam

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

do (im)possível

um caracol de corrida?
sim, se o caracol quiser.

um ouriço barbeado?
sim, se o ouriço quiser.

uma toupeira voadora?
sim, se lhe nascerem asas.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Festa

os macaquinhos deixaram o sótão
e as cabecitas onde geralmente estão
e largaram a fazer caretas
e piruetas destravadas

(os macacos de imitação
começaram a fazer caretas
e piruetas destravadas)

as mães galinhas esvoaçaram-se numa nuvem
de pintainhos alvoraçados
e as patas chocas aninharam-se
sobre os ovos já quebrados

esquecidos das contendas
cães e gatos babaram um latido partilhado

perfumado e pelo prado principal
entrou o bode expiatório
autorizado a regressar do deserto
e a ovelha geralmente de negro
sorriu-lhe um branco encaracolado

os carneiros deixaram de saltar
para manter acordada a cidade dos bichos
- o que só não foi notado pelo bicho carpinteiro

o crocodilo poupou nas lágrimas
e abarrotou a mala de gotas invisíveis
para ocasiões salgadas

havia rumores de festa
e perfumes de um primeiro aniversário
misturado com o pólen dos carvalhos

quarta-feira, 25 de junho de 2008

O Tempo

o Tempo passava a vida a correr
e cansado
cansadinho
sentou-se à sombra do relógio
e deixou-se ficar
a ver nada a acontecer

foi a maior confusão

quem estava acordado
já não podia dormir
quem estava a dormir
já não podia acordar

o sol deixou de saber
quando aparecer
e a lua espreitava tímida
por detrás de cada nuvem parada

e foi assim
que o sol, a lua,
o porta-voz das nuvens e dos homens
decidiram ir falar com o Tempo
e nunca mais deixar parar o relógio

(é por isso que o Tempo continua a correr, a correr, a correr)

domingo, 22 de junho de 2008

Bicho carpinteiro

O bichinho carpinteiro
já não tinha mais dinheiro
no pequeno mealheiro.

Deixou o fio-de-prumo
com a madeira fez fumo
queria mudar de rumo.

Foi piloto e sapateiro
barman e até bombeiro...
Qual o caminho certeiro?

Mas não era feliz, não!
Queria a aplaina na mão
e voltou à profissão.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

A mosca Tosca

A senhora mosca Tosca
queria ser bailarina
rodopiar em duas pontas
e ter a cintura fina.

Inscreveu-se no ballet
teve aulas de etiqueta
foi a primeira do curso
emigrou, fez a maleta.

Hoje dança nos palácios
e vai às festas mais in
fala francês na TV
e tem o seu camarim.

Mudou de nome entretanto
a mosca Tosca já era:
assina "mouche Lou-lou".
De que é que estavas à espera?